É aqui que termina a narrativa escrita que o Persa me deixou.
Apesar do horror de uma situação que parecia definitivamente condenada à morte, o Sr. De Chagny e seu companheiro foram salvos pela dedicação sublime de Christine Daaé. E obtive todo o resto da aventura da boca do próprio daroga...
Quando fui encontrar-me com ele, continuava morando em seu pequeno apartamento da rua de Rivoli, em frente às Tulherias. Estava bastante doente e foi necessário nada menos do que todo o meu ardor de repórter-historiador a serviço da verdade para decidi-lo a reviver comigo o incrível drama. Era ainda o seu velho e fiel empregado Darius que o servia e que me conduziu para junto dele. O daroga me recebeu no canto da janela que dá para o jardim, sentado numa poltrona em que tentava aprumar um corpo que devia ter tido a sua beleza. Nosso Persa mantinha ainda os olhos magníficos, mas o seu pobre rosto mostrava muito cansaço. Tinha raspado completamente a cabeça que normalmente estava coberta com um boné de astracã; vestia-se com uma capa muito simples em cujas mangas passava o tempo a girar inconscientemente os polegares, mas tinha conservado a mente bem lúcida.
Não podia lembrar-se das agruras antigas sem que certa febre voltasse a tomar conta dele, e foi por pedaços que eu lhe arranquei o fim surpreendente desta estranha história. Por vezes fazia-se de rogado, por algum tempo, antes de responder às minhas perguntas, e por vezes, exaltado com suas lembranças, evocava espontaneamente diante de mim, com destaque surpreendente, a imagem espantosa de Erik e as horas terríveis que o Sr. De Chagny e ele tinham vivido na morada do Lago.
Era preciso ver o estremecimento que o agitava quando me descrevia o seu despertar na penumbra inquietante do quarto Louis Philippe... depois do drama das águas... E aqui está o fim desta terrível história, tal qual ele me contou de maneira a completar a narrativa escrita que tinha concordado em ceder-me:
Ao abrir os olhos, o daroga viu-se estendido numa cama... O Sr. De Chagny estava deitado num divã, ao lado do armário com espelho. Um anjo e um demônio velavam sobre eles...
Depois das miragens e ilusões do quarto dos suplícios, a precisão dos detalhes burgueses desse quarto pequeno e tranqüilo parecia ter sido inventada com o desígnio de fazer extraviar-se a mente do mortal que fosse bastante temerário para se perder nesses domínios do pesadelo vivo. A cama com gavetas, as cadeiras de mogno encerado, a cômoda, as peças de cobre, o cuidado com que as toalhinhas de crochê estavam postas no espaldar das poltronas, o relógio de pêndulo e, de cada lado da lareira, os cofrinhos de aparência tão inofensiva... enfim a prateleira enfeitada de conchas, de almofadinhas vermelhas para alfinetes, de navios de madrepérola e de um enorme ovo de avestruz... sendo o conjunto iluminado discretamente por um abajur colocado sobre uma mesinha redonda... toda essa mobília que era de uma feiúra caseira comovente, tão tranqüila, tão razoável “no fundo dos porões da Ópera”, desconcertava a imaginação mais do que todas as fantasmagorias passadas. E a sombra do homem com a máscara, nesse pequeno quadro antiquado, preciso e limpo, assumia uma aparência mais formidável. Inclinou-se até o ouvido do Persa e disse-lhe em voz baixa:
— Está melhor, daroga?... Você está examinando a minha mobília?... É tudo que me restou da pobre miserável da minha mãe...
Disse-lhe ainda outras coisas de que já não se lembrava; mas — e isso lhe parecia bem singular — o Persa tinha lembrança exata de que, durante essa visão do quarto Louis Philippe, só Erik falava. Christine Daaé não dizia uma palavra; caminhava sem ruído como uma irmã de caridade que tivesse feito voto de silêncio... Trouxe uma xícara com um reconstituinte... ou um chá fumegante... O homem da máscara pegou-a de suas mãos e estendeu-a para o Persa.
Quanto ao Sr. De Chagny, estava dormindo...
Erik disse derramando um pouco de rum na xícara do daroga e mostrando-lhe o visconde deitado:
— Ele voltou a si antes que pudéssemos saber se você ainda estaria vivo, daroga. Ele vai muito bem... Está dormindo... Não se deve acordá-lo...
Por um instante, Erik saiu do quarto e o Persa, erguendo-se um pouco sobre o cotovelo, olhou em torno de si... Viu, sentada ao lado da lareira, a silhueta branca de Christine Daaé. Dirigiu-lhe a palavra... chamou-a... mas ainda estava muito fraco e voltou a cair sobre o travesseiro... Christine veio até ele, colocou-lhe a mão na testa, depois se afastou... E o Persa lembrou-se então de que, ao ir-se embora, ela não lançou nenhum olhar para o Sr. De Chagny que, ao lado, é verdade, estava num sono tranqüilo... e voltou para sentar-se na poltrona, ao lado da lareira, silenciosa como uma irmã de caridade que tivesse feito voto de silêncio...
Erik voltou com alguns frasquinhos que colocou em cima da lareira. E baixinho ainda, para não acordar o Sr. De Chagny, disse ao Persa, depois de sentar-se à sua cabeceira e de ter-lhe tomado o pulso:
— Agora vocês estão salvos. E logo irei conduzi-los para a superfície da terra, para agradar a minha mulher.
Nisso, levantou-se sem outra explicação, e desapareceu de novo.
O Persa olhava agora para o perfil tranqüilo de Christine Daaé à luz do abajur. Ela estava lendo num livrinho minúsculo com o corte dourado como se costuma ver nos livros religiosos. A imitação de Cristo tem edições assim. E o Persa conservava ainda no ouvido o tom tranqüilo com que Erik dissera: “Para agradar a minha mulher...”
Bem suavemente, o daroga chamou de novo, mas Christine devia estar longe em sua leitura, porque não ouviu...
Erik voltou... deu uma poção para o daroga beber, depois de lhe ter recomendado que não dirigisse mais a palavra à “sua mulher” nem a ninguém, porque isso poderia ser muito perigoso para a saúde de todo mundo.
A partir desse momento, o Persa se lembra ainda da sombra negra de Erik e da silhueta branca de Christine que deslizavam sempre em silêncio pelo quarto e debruçavam-se sobre o Sr. De Chagny. O Persa estava ainda muito fraco e o menor ruído, a porta do armário com espelho que se abria rangendo, por exemplo, causava-lhe dor de cabeça... e depois adormeceu como o Sr. De Chagny.
Desta vez, só devia despertar já em sua casa, sob os cuidados do fiel Darius, que lhe informou que o haviam encontrado, na noite anterior, diante da porta de seu apartamento, para onde devia ter sido transportado por um desconhecido, que tinha tido o cuidado de tocar a campainha antes de ir-se embora.
Logo que o daroga recobrou as forças e a responsabilidade, mandou saber notícias do visconde no domicílio do conde Philippe.
Foi-lhe respondido que o jovem não tinha reaparecido e o conde Philippe tinha morrido. Tinham encontrado o seu cadáver à beira do lago da Ópera, do lado da rua Scribe. O Persa lembrou-se da melodia para os mortos que ouvira Erik executar, quando esteve preso no quarto dos suplícios, e não teve dúvidas quanto ao crime e quanto ao criminoso. Sem dificuldade, infelizmente, conhecendo Erik, pôde reconstituir o drama. Acreditando que o irmão havia raptado Christine Daaé, Philippe tinha-se precipitado em seu encalço na estrada de Bruxelas onde sabia que tudo estava preparado para essa aventura. Como não encontrasse o jovem casal, voltara à Ópera, lembrara-se das estranhas confidências de Raoul sobre o seu fantástico rival, soubera que o visconde tinha tentado de tudo para penetrar nos subsolos do teatro e, finalmente, que tinha desaparecido, deixando o chapéu no camarim da diva, ao lado de uma caixa de pistolas. E o conde, que não tinha mais dúvidas sobre a loucura do irmão, lançara-se, por sua vez, naquele infernal labirinto subterrâneo. Seria preciso mais do que isso, aos olhos do Persa, para que se encontrasse o cadáver do conde à beira do lago, onde vigiava o canto da sereia, a sereia de Erik, essa zeladora do lago dos Mortos?
Assim, o Persa não hesitou. Espantado com esse novo delito, não podendo permanecer na incerteza em que se encontrava relativamente à sorte definitiva do visconde e de Christine Daaé, decidiu dizer tudo à Justiça.
Ora, a instrução do processo tinha sido confiada ao juiz Faure e à porta dele é que foi bater. Não é difícil imaginar de que modo um espírito cético, materialista, superficial (digo isso como penso) e nada preparado para semelhante confidência recebeu o depoimento do daroga. Este foi tratado como louco.
O Persa, sem esperança de se fazer ouvir, pusera-se então a escrever. Visto que a Justiça não queria saber do seu testemunho, a imprensa se apoderaria dele, talvez, e ele acabara, uma noite, de traçar a última linha da narrativa que reproduzi fielmente aqui, quando o empregado Darius lhe anunciou um estranho que não dissera o nome, cujo rosto era impossível ver, e que tinha declarado simplesmente que não sairia dali antes de falar com o daroga.
O Persa, pressentindo imediatamente a personalidade desse singular visitante, ordenou que o fizesse entrar.
O daroga não se enganara.
Era o fantasma! Era Erik!
Aparentava extrema fraqueza e apoiava-se na parede como se temesse cair... Ao tirar o chapéu, mostrou uma testa pálida como cera. O restante do rosto estava escondido pela máscara.
O Persa erguera-se à sua frente:
— Assassino do conde Philippe, o que é que você fez do irmão dele e de Christine Daaé?
A essa formidável interpelação, Erik cambaleou e guardou silêncio por alguns instantes, depois, arrastando-se até uma poltrona, deixou-se cair nela soltando um profundo suspiro. E, ali, disse com fôlego curto:
— Daroga, não me fale do conde Philippe... Ele estava morto... já... quando saí da minha casa... ele estava morto... já... quando... a sereia cantou... foi um acidente... Ele tinha caído no lago!...
— Você está mentindo! — bradou o Persa. Então Erik curvou a cabeça e replicou:
— Não vim aqui para lhe falar do conde Philippe... mas para lhe dizer que... eu vou morrer....
— Onde estão Raoul de Chagny e Christine Daaé?...
— Eu vou morrer.
— Raoul de Chagny e Christine Daaé?
— ... de amor... daroga... vou morrer de amor... é isso mesmo... eu a amava tanto!... E ainda a amo, daroga, pois que estou morrendo disso, eu lhe digo... Se você soubesse como estava bela quando me prometeu beijar-me viva, jurando pela sua salvação eterna... Era a primeira vez, daroga, a primeira vez, está ouvindo, que eu beijava uma mulher... Sim, viva, sim, eu a beijei viva e ela estava bela como uma morta!...
O Persa levantara-se e ousara tocar em Erik. Sacudiu-lhe o braço.
— Você vai me dizer se ela está morta ou viva?...
— Por que está me sacudindo assim? — respondeu Erik com esforço. — Estou lhe dizendo que sou eu que vou morrer... sim, eu a beijei viva...
— E agora, ela está morta?
— Eu lhe digo que dei um beijo nela assim, na testa... e ela não retirou a testa da minha boca!... Ah! é uma moça honesta! Quanto a estar morta, eu não acredito, embora isso não me diga mais respeito... Não! não! ela não está morta! E não quero ficar sabendo que alguém tenha tocado num fio de cabelo sequer de sua cabeça! E uma moça corajosa e honesta, que lhe salvou a vida, além do mais, daroga, num momento em que eu não teria dado um tostão furado por essa sua pele de persa. No fundo, ninguém se importava com você. Por que você estava lá com aquele mocinho? Você ia morrer, além do mais! Palavra, ela me suplicava pelo seu mocinho, mas eu lhe respondi que, já que ela tinha girado o escorpião, eu me tinha tornado, por esse fato mesmo, e por sua boa vontade, o seu noivo, e que ela não precisava de dois noivos, o que era bastante justo; quanto a você, você não existia, já não existia mais, repito, e ia morrer com o outro noivo! Só que, escute bem, daroga, como vocês estavam gritando como dois possessos por causa da água, Christine veio até mim, com os seus belos e grandes olhos azuis abertos e me jurou, pela sua salvação eterna, que consentia em ser minha mulher viva! Até então, daroga, eu sempre tinha visto, no fundo dos seus olhos, uma mulher morta; era a primeira vez que eu via neles a minha mulher viva. Ela estava sendo sincera, pela sua salvação eterna. Não iria se matar. Trato feito. Meia hora depois, toda a água tinha voltado para o lago, e eu puxava a sua língua, daroga, pois acreditara, palavra, que você não ia voltar!... Enfim!... E isso! Estava entendido! eu devia levá-lo de volta para a sua casa, acima da terra. Enfim, quando você já tinha desocupado o meu quarto Louis Philippe, voltei para lá, sozinho.
— E o que é que você tinha feito do visconde de Chagny? — interrompeu o Persa.
— Assassino do conde Philippe, o que é que você fez do irmão dele e de Christine Daaé?
A essa formidável interpelação, Erik cambaleou e guardou silêncio por alguns instantes, depois, arrastando-se até uma poltrona, deixou-se cair nela soltando um profundo suspiro. E, ali, disse com fôlego curto:
— Daroga, não me fale do conde Philippe... Ele estava morto... já... quando saí da minha casa... ele estava morto... já... quando... a sereia cantou... foi um acidente... Ele tinha caído no lago!...
— Você está mentindo! — bradou o Persa. Então Erik curvou a cabeça e replicou:
— Não vim aqui para lhe falar do conde Philippe... mas para lhe dizer que... eu vou morrer....
— Onde estão Raoul de Chagny e Christine Daaé?...
— Eu vou morrer.
— Raoul de Chagny e Christine Daaé?
— ... de amor... daroga... vou morrer de amor... é isso mesmo... eu a amava tanto!... E ainda a amo, daroga, pois que estou morrendo disso, eu lhe digo... Se você soubesse como estava bela quando me prometeu beijar-me viva, jurando pela sua salvação eterna... Era a primeira vez, daroga, a primeira vez, está ouvindo, que eu beijava uma mulher... Sim, viva, sim, eu a beijei viva e ela estava bela como uma morta!...
O Persa levantara-se e ousara tocar em Erik. Sacudiu-lhe o braço.
— Você vai me dizer se ela está morta ou viva?...
— Por que está me sacudindo assim? — respondeu Erik com esforço. — Estou lhe dizendo que sou eu que vou morrer... sim, eu a beijei viva...
— E agora, ela está morta?
— Eu lhe digo que dei um beijo nela assim, na testa... e ela não retirou a testa da minha boca!... Ah! é uma moça honesta! Quanto a estar morta, eu não acredito, embora isso não me diga mais respeito... Não! não! ela não está morta! E não quero ficar sabendo que alguém tenha tocado num fio de cabelo sequer de sua cabeça! E uma moça corajosa e honesta, que lhe salvou a vida, além do mais, daroga, num momento em que eu não teria dado um tostão furado por essa sua pele de persa. No fundo, ninguém se importava com você. Por que você estava lá com aquele mocinho? Você ia morrer, além do mais! Palavra, ela me suplicava pelo seu mocinho, mas eu lhe respondi que, já que ela tinha girado o escorpião, eu me tinha tornado, por esse fato mesmo, e por sua boa vontade, o seu noivo, e que ela não precisava de dois noivos, o que era bastante justo; quanto a você, você não existia, já não existia mais, repito, e ia morrer com o outro noivo! Só que, escute bem, daroga, como vocês estavam gritando como dois possessos por causa da água, Christine veio até mim, com os seus belos e grandes olhos azuis abertos e me jurou, pela sua salvação eterna, que consentia em ser minha mulher viva! Até então, daroga, eu sempre tinha visto, no fundo dos seus olhos, uma mulher morta; era a primeira vez que eu via neles a minha mulher viva. Ela estava sendo sincera, pela sua salvação eterna. Não iria se matar. Trato feito. Meia hora depois, toda a água tinha voltado para o lago, e eu puxava a sua língua, daroga, pois acreditara, palavra, que você não ia voltar!... Enfim!... E isso! Estava entendido! eu devia levá-lo de volta para a sua casa, acima da terra. Enfim, quando você já tinha desocupado o meu quarto Louis Philippe, voltei para lá, sozinho.
— E o que é que você tinha feito do visconde de Chagny? — interrompeu o Persa.
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