terça-feira, 13 de outubro de 2009



Agora estava ali, contente de ter ido até o final, e entediada porque não sabia o que fazer com o pouco tempo que lhe restava.
Voltou a pensar no absurdo que acabara de ler: como é que um artigo de computador pode começar com esta frase tão idiota: “Onde é a Eslovénia?”
Como não achou nada mais interessante para preocupar-se, resolveu ler a matéria até o fim, e descobriu: o tal jogo tinha sido produzido na Eslovénia – este estranho país que ninguém parecia saber onde era, exceto quem morava ali - por causa da mão de obra mais barata. Há alguns meses atrás, ao lançar o produto, a produtora francesa dera uma festa para jornalistas de todo o mundo, num castelo em Vled.
Veronika lembrou-se de ter escutado algo a respeito da festa, que fora um acontecimento especial na cidade: não apenas pelo fato de que o castelo tinha sido redecorado para aproximar-se ao máximo do ambiente medieval do tal CD-Rom, como também pela polemica que se seguira na imprensa local: havia jornalistas alemães, franceses, ingleses, italianos, espanhóis – mas nenhum esloveno tinha sido convidado.
O articulista de Homme – que viera a Eslovénia pela primeira vez, certamente com tudo pago, e decidido a passar o seu tempo cortejando outros jornalistas, dizendo coisas supostamente interessantes, comendo e bebendo de graça no castelo - resolvera começar a matéria fazendo uma piada que devia agradar muito aos sofisticados intelectuais do seu país. Deve, inclusive, ter contado aos seus amigos de redação algumas histórias inverídicas sobre os costumes locais, ou sobre a maneira rudimentar como as mulheres eslovenas se vestem.
Problema dele. Veronika estava morrendo, e suas preocupações deviam ser outras, como saber se existe vida após a morte, ou a que horas o seu corpo seria encontrado. Mesmo assim – ou talvez justamente por causa disso, da importante decisão que tomara – aquele artigo a estava incomodando.
Olhou pela janela do convento que dava para a pequena praça de Lubljana. “Se não sabem onde é a Eslovénia, Lubljana deve ser um mito”, pensou. Como a Atlântida, ou a Lemuria, ou os continentes perdidos que povoam a imaginação dos homens. Ninguém começaria um artigo, em nenhum lugar do mundo perguntando onde era o monte Everest, mesmo que nunca tivessem estado lá. No entanto, em plena Europa, um jornalista de uma revista importante não se envergonhava em fazer uma pergunta daquelas, porque sabia que a maior parte dos seus leitores não sabia onde era a Eslovénia. E muito menos Lubljana, sua capital.
Foi então que Veronika descobriu uma maneira de passar o tempo – já que dez minutos haviam transcorrido, e ainda não notara qualquer diferença em seu organismo. O último ato de sua vida ia ser uma carta para aquela revista, explicando que a Eslovénia era
uma das cinco republicas resultantes da divisão da antiga Yugoslávia.
Deixaria a carta como seu bilhete de suicídio. De resto, não daria nenhuma explicação sobre os verdadeiros motivos de sua morte.
Quando encontrassem seu corpo, concluiriam que se matou porque uma revista não sabia onde era o seu país. Riu com a idéia de ver uma polemica nos jornais, com gente a favor e contra seu suicídio em honra da causa nacional. E ficou impressionada com a rapidez com que mudara de idéia, já que momentos antes pensara exatamente o oposto – o mundo e os problemas geográficos já não lhe diziam respeito.

Escreveu a carta. O momento de bom humor fez com que quase mudasse de idéia a respeito da morte, mas já havia tomado os comprimidos, era tarde demais para voltar.
De qualquer maneira, já tivera momentos de bom humor como esse, e não estava se matando porque era uma mulher triste, amarga, vivendo em constante depressão. Passara muitas tardes de sua vida caminhando, alegre, pelas ruas de Lubljana, ou olhando – da janela do seu quarto no convento - a neve que caia na pequena praça com a estatua do poeta. Certa vez ficara quase um mês flutuando nas nuvens, porque um homem desconhecido, no centro daquela mesma praça, lhe dera uma flor.
Acreditava ser uma pessoa absolutamente normal. Sua decisão de morrer devia-se a duas razoes muito simples, e tinha certeza que, se deixasse um bilhete explicando, muita gente ia concordar com ela.
A primeira razão: tudo em sua vida era igual, e – uma vez passada a juventude – a tendência era que tudo passasse a decair, a velhice começasse a deixar marcas irreversíveis, as doenças chegassem, os amigos partissem. Enfim, continuar vivendo não acrescentava nada; ao contrário, as possibilidades de sofrimento aumentavam muito.
A segunda razão era mais filosófica: Veronika lia jornais, assistia TV, e estava a par do que se passava no mundo. Tudo estava errado, e ela não tinha como consertar aquela situação – o que lhe dava uma sensação de inutilidade total .
Daqui a pouco, porém, teria a última experiência de sua vida, e esta prometia ser muito diferente: a morte. Escreveu a tal carta para a revista, deixou o assunto de lado, concentrou-se em coisas mais importantes e mais próprias para o que estava vivendo – ou morrendo – naquele minuto.
Procurou imaginar como seria morrer, mas não conseguiu chegar a nenhum resultado.
De qualquer maneira, não precisava se importar com isso, pois saberia daqui a poucos minutos.

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