Adaga Negra - Amante Escuro

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Classificação: 18 Anos

Beth esteve sob a ducha quarenta e cinco minutos, utilizou meio pote de gel, e quase derreteu o papel barato pintado das paredes do banho devido ao intenso calor da água. Secou-se, colocou uma bata e tentou não olhar-se outra vez ao espelho. Seu lábio tinha um aspecto feio.
Foi para o único cômodo que possuía seu pequeno apartamento. O ar condicionado quebrou fazia um par de semanas, e o ambiente da sala era tão sufocante como o do banho. Olhou para as duas janelas e a porta corrediça que conduzia a um pátio traseiro sem graça. Teve o impulso de abrir todas; entretanto, limitou-se a revisar as trancas.
Embora seus nervos estivessem destroçados, ao menos seu corpo estava se recuperando rapidamente. Seu apetite havia retornado em busca de vingança, como se estivesse incômodo por não ter jantado, assim se dirigiu diretamente à cozinha. Até as sobras de frango de quatro noites pareciam apetitosas, mas quando abriu o papel alumínio, percebeu um odor de meia esportiva úmida. Jogou no lixo todo o pacote e colocou um recipiente de comida congelada no microondas. Comeu os macarrão com queijo de pé, sustentando a pequena bandeja de plástico na mão com uma luva de cozinha. Não foi suficiente, assim teve que preparar outra porção.
A ideia de engordar dez quilos em uma noite só era tremendamente atraente; como o era. Não podia fazer nada com o aspecto de seu rosto, mas estava disposta a apostar que seu misógino atacante neandertal preferia a suas vítimas finas e atléticas.
Piscou, tentando tirar da cabeça a imagem de seu próprio rosto. Deus, ainda podia sentir suas mãos, ásperas e desagradáveis, manuseando seus seios.
Tinha que denunciá-lo. Iria a uma delegacia de polícia. Agora não queria sair do apartamento. Pelo menos até que amanhecesse.


Dirigiu-se até o sofá que usava como sofá e cama e se colocou em posição fetal. Seu estômago tinha dificuldades para digerir o macarrão com queijo e uma onda de náusea seguida por uma sucessão de calafrios percorreu seu corpo.
Um suave miado a fez levantar a cabeça.
— Olá, Boo — disse, estalando os dedos com inapetência. O pobre animal tinha fugido apavorado quando ela tinha entrado como uma tromba pela porta tirando a roupa e jogando-a por toda a sala.
Miando novamente, o gato negro se aproximou. Seus grandes olhos verdes pareciam preocupados enquanto saltava com elegância para seu colo.
— Lamento todo este drama — murmurou ela, lhe fazendo carinho.
O animal esfregou a cabeça contra seu ombro, ronronando. Seu corpo estava morno, quase não pesava. Não soube o tempo que permaneceu ali sentada acariciando sua suave pelagem, mas quando o telefone soou, teve um sobressalto.
Enquanto tentava alcançar o aparelho, aleitou-se para continuar acariciando a seu mascote. Os anos de convivência tinham conseguido que sua coordenação gato e telefone beirasse a níveis de perfeição.
— Olá? — disse, pensando que era mais de meia-noite, o que descartava aos vendedores por telefone e sugeria algum assunto de trabalho ou algum psicopata ansioso.
— Olá, senhorita B. Coloque suas sapatilhas de baile. O carro de um indivíduo saltou pelos ares ao lado do Screamer's. Ele estava dentro.
Beth fechou os olhos e quis soluçar. José da Cruz era um dos detetives da polícia da cidade, mas também um grande amigo.
Mas tinha que dizer que acontecia com ela o mesmo que a maioria dos homens e mulheres que usavam uniforme azul. Como passava tanto tempo na delegacia de polícia, tinha chegado a conhecê-los bastante bem, mas José era um de seus favoritos.
— Olá, está aí? Conte a ele o que aconteceu. Abra a boca.


A vergonha e o horror do ocorrido lhe oprimiam as cordas vocais.
— Aqui estou, José. — afastou o escuro cabelo do rosto e pigarreou. — Não poderei ir esta noite.
— Sim, claro. Quando deixou passar uma boa informação? — Riu alegremente. — Ah, mas venha com calma. El Duro tem o caso.
El Duro era o detetive de homicídios Brian O’Neal, mais conhecido como Butch. Ou simplesmente senhor.
— Sério, não posso... ir aí esta noite.
— Está ocupada com alguém? — A curiosidade fez a voz soar autoritária. José estava felizmente casado, mas ela sabia que na delegacia de polícia todos especulavam a suas costas. Uma mulher com um corpaço como o seu sem um homem? Algo tinha que acontecer. — E então? Está?
— Por Deus, não. Não.
Houve um silêncio antes que o sexto sentido de policial e seu amigo ficasse alerta.
— O que aconteceu?
— Estou... bem. Um pouco cansada. Irei à delegacia de polícia amanhã.
Apresentaria a denúncia então. No dia seguinte se sentiria suficientemente forte para recordar o que tinha acontecido sem deprimir-se.
— Necessita que vá vê-la?
— Não, mas agradeço mesmo assim. Estou bem, de verdade.
Desligou o telefone.Quinze minutos depois colocou um par de jeans recém lavados e uma camisa larga que ocultava suas esplêndidas curvas. Chamou um táxi, mas antes de sair procurou no armário até encontrar sua outra bolsa. Pegou o spray de pimenta e o apertou com força na mão enquanto se dirigia à rua. No trajeto entre sua casa e o lugar onde tinha explodido a bomba, recuperaria a voz e contaria tudo ao José. Por muito que detestasse a ideia de recordar a agressão, não ia permitir que aquele imbecil seguisse livre fazendo o mesmo a outra pessoa. E embora nunca o prendessem, ao menos teria feito todo o possível para tentar capturá-lo.

Wrath se materializou na sala da casa de Darius. Maldição, já tinha esquecido quão bem vivia o vampiro. Embora D fosse um guerreiro, comportava-se como um aristocrata, e para falar a verdade, tinha certa lógica. Sua vida tinha começado como um príncipe de alta linhagem, e ainda conservava o gosto pelo bom viver. Sua mansão do século XIX estava bem cuidada, cheia de antiguidades e obras de arte. Também era tão segura como a câmara couraçada de um banco.
Mas as paredes amarelo claro do salão feriram seus olhos.
— Que agradável surpresa, meu senhor.
Fritz, o mordomo, apareceu do vestíbulo e fez uma profunda reverência enquanto apagava as luzes para aliviar os olhos de Wrath. Como sempre, o velho homem vestia roupa negra. Estava com o Darius ao redor de cem anos, e era um doggen, o que significava que podia sair à luz do dia mas envelhecia mais rápido que os vampiros. Sua subespécie tinha servido aos aristocratas e guerreiros durante muitos milênios.
— Ficará conosco muito tempo, meu senhor?
Wrath negou com a cabeça. Não podia evitá-lo.
— Umas horas.
— Seu quarto está preparado. Se precisar de mim, senhor, aqui estarei.
Fritz se inclinou de novo e caminhou para trás para sair da sala, fechando as portas duplas atrás dele.
Wrath se dirigiu para um retrato de mais de dois metros de altura de quem haviam dito ter sido um rei francês. Colocou suas mãos sobre o lado direito do pesado marco dourado. O tecido girou sobre seu eixo para revelar um escuro corredor de pedra iluminado com lâmpadas de gás.Ao entrar, desceu por umas escadas até as profundidades da terra. Ao final dos degraus havia duas portas. Uma conduzia aos suntuosos aposentos de Darius, a outra se abriu para o que Wrath considerava um substituto de seu lar. A maioria dos dias dormia em um armazém de Nova Iorque, em uma residência interior feita de aço com um sistema de segurança muito similar ao do Fort Knox.
Mas ele nunca convidaria Marissa para lá. Nem a nenhum dos irmãos. Sua privacidade era muito valiosa.
Quando entrou, as lâmpadas presas nas paredes se acenderam por toda a residência automaticamente. Seu resplendor dourado iluminava só tenuemente o caminho na escuridão. Como deferência à escassa visão de Wrath, Darius tinha pintado de negro os muros e o teto de seis metros de altura. Em um canto, destacava-se uma enorme cama com lençóis de cetim negro e um monte de travesseiros. No outro lado, havia uma poltrona de couro, um televisor de tela grande e uma porta que dava a um banheiro de mármore negro. Também havia um armário cheio de armas e roupa.
Por alguma razão, Darius sempre insistia em que ficasse na mansão. Era um maldito mistério. Não se tratava de que o defendesse, porque Darius podia proteger a si mesmo. E a ideia de que um vampiro como D sofresse de solidão era absurda. Wrath percebeu a Marissa antes que entrasse na residência. O aroma do oceano, uma brisa fresca, a precedia. Terminemos com isto de uma vez, pensou. Estava ansioso para retornar às ruas. Só tinha saboreado um pouco de batalha, e essa noite queria abarrotar-se.
Voltou-se.
Enquanto Marissa inclinava seu miúdo corpo para ele, sentiu devoção e inquietação flutuando no ar ao redor da fêmea.
— Meu senhor — disse ela.
Pelo pouco que podia ver, usava uma roupa minúscula de gaze branca, e seu longo cabelo loiro lhe caía em cascata sobre os ombros e as costas. Sabia que se vestiu para agradá-lo, e desejou no mais íntimo de seu ser que não tivesse se esforçado tanto.
Tirou a jaqueta de couro e a capa onde levava suas adagas.
Malditos fossem seus pais. Por que lhe tinham dado uma fêmea como ela? Tão... frágil.



Mas, pensando bem, considerando o estado em que se encontrava antes de sua transição, talvez temessem que outra mais forte pudesse lhe causar mal.
Wrath flexionou os braços, seus bíceps mostraram sua força, um de seus ombros rangeu devido ao esforço.
Se pudessem vê-lo agora. Seu esquálido corpo se transformou no de um frio assassino.
Talvez seja melhor que estejam mortos, pensou. Não teriam aprovado no que se transformou.
Mas não pôde evitar pensar que se eles tivessem vivido até uma idade avançada, ele teria sido diferente.
Marissa mudou de lugar nervosamente.
— Lamento incomodar. Mas não posso esperar mais. Wrath se dirigiu ao banheiro.
— Necessita de mim, e eu atendo.
Abriu a torneira e subiu as mangas de sua camisa negra. Com o vapor elevando-se, lavou a sujeira, o suor e — a morte de suas mãos. Logo esfregou o sabonete pelos braços, cobrindo de espuma as tatuagens rituais que adornavam seus antebraços. Enxaguou-se, secou-se e caminhou até a poltrona. Sentou-se e esperou, chiando os dentes.
Durante quanto tempo tinham feito aquilo? Séculos. Mas Marissa sempre necessitava algum tempo para poder aproximar-se. Se tivesse sido outra, sua paciência teria se esgotado imediatamente, mas com ela era um pouco mais tolerante.
A verdade era que sentia pena por ela porque a tinham forçado a ser sua shellan. Ele havia dito várias vezes que a liberava de seu compromisso para que encontrasse um verdadeiro companheiro, um que não somente matasse tudo o que a ameaçasse, mas sim também a amasse.O estranho era que Marissa não queria deixá-lo, por muito frágil que fosse. Ele imaginava que ela provavelmente temia que nenhuma outra fêmea fosse querer estar com ele, que nenhuma alimentaria à besta quando o necessitasse e sua raça perderia sua estirpe mais poderosa. Seu rei. Seu líder, que carecia da vontade de liderar. Sim, era um maldito inconveniente. Permanecia afastado dela a menos que precisasse alimentar-se, o que não acontecia com frequência devido a sua linhagem. A fêmea nunca sabia onde ele estava, ou o que estava fazendo. Passava os longos dias só na casa de seu irmão, sacrificando sua vida para manter vivo ao último vampiro de sangue puro, o único que não tinha nenhuma gota de sangue humano em seu corpo.
Francamente, não entendia como suportava isso... nem como o suportava a ele.
De repente, sentiu vontade de amaldiçoar. Aquela noite parecia ser muito apropriada para alimentar seu ego. Primeiro Darius e agora ela.
Os olhos do Wrath a seguiram enquanto ela se movia pela residência, descrevendo círculos a seu redor, aproximando-se dele. Obrigou-se a relaxar, a estabilizar sua respiração, a imobilizar seu corpo. Aquela era a pior parte do processo. Dava-lhe pânico não ter liberdade de movimentos, e sabia que quando ela começasse a alimentar-se, a sufocante sensação pioraria.
— Esteve ocupado, meu senhor? — disse suavemente. Ele assentiu, pensando que se tivesse sorte, ia estar mais ocupado antes do amanhecer.
Marissa finalmente se ergueu frente a ele, e o vampiro pôde sentir sua fome prevalecendo sobre sua inquietação. Também sentiu seu desejo. Ela o queria, mas ele bloqueou esse sentimento da fêmea.
Sob nenhum conceito teria relações sexuais com ela. Não podia imaginar submeter a Marissa às coisas que tinha feito com outros corpos femininos. E ele nunca a quis dessa maneira. Nem sequer no princípio.
— Venha aqui — disse, fazendo um gesto com a mão. E deixou cair o antebraço sobre a coxa, com o punho para cima. — Está faminta. Não deveria esperar tanto para me chamar. Marissa desceu até o chão perto de seus joelhos, seu vestido formou redemoinhos ao redor de seu corpo e seus pés. Ele sentiu o calor dos dedos sobre sua pele enquanto ela percorria suas tatuagens com as mãos, acariciando os negros caracteres que detalhavam sua linhagem no antigo idioma. Estava suficientemente perto para captar os movimentos de sua boca abrindo-se, suas presas cintilaram antes de afundá-los na veia.
Wrath fechou os olhos, deixando cair a cabeça para trás enquanto ela bebia. O pânico o invadiu rápida e fortemente.
Dobrou o braço livre ao redor da beirada da poltrona, tencionando os músculos ao tempo que segurava nos cantos para manter o corpo em seu lugar. Calma, precisava conservar a calma. Logo terminaria, e então seria livre.
Quando Marissa levantou a cabeça dez minutos depois, ele se ergueu de um salto e aplacou a ansiedade caminhando, sentindo um alívio doentio porque não podia mover-se. Assim que sossegou, aproximou-se da fêmea. Estava saciada, absorvendo a força que a embargava à medida que seu sangue se mesclava. Não o agradou vê-la no chão, de modo que a levantou, e estava pensando em chamar Fritz para que a levasse para a casa de seu irmão, quando uns rítmicos golpes soaram na porta.
Wrath se voltou para olhar do outro lado da sala, levou-a para a cama e ali a recostou.
— Obrigado, meu senhor — murmurou ela. — Voltarei para casa por meus próprios meios.
Ele fez uma pausa, e logo colocou um lençol sobre as pernas da vampiresa antes de abrir a porta de repente.
Fritz estava muito agitado por algo.
Wrath saiu, fechando a porta detrás de si. Estava a ponto de perguntar que demônios podia justificar tal interrupção, quando o aroma do mordomo impregnou sua irritação.
Soube, sem perguntar, que a morte tinha feito outra visita. E Darius tinha desaparecido.
— Senhor...
— Como foi? — grunhiu. Ocupar-se-ia da dor mais tarde. Primeiro necessitava detalhes.

— Ah, o carro... — Estava claro que o mordomo tinha problemas para conservar a calma, e sua voz era tão frágil e doida como seu velho corpo. — Uma bomba, não senhor. O carro... Ao sair do clube. Tohrment chamou. Viu tudo. Wrath pensou no lesser que tinha eliminado. Desejou saber se tinha sido ele quem tinha perpetrado o atentado. Aqueles bastardos já não tinham honra. Pelo menos seus precursores, fazia séculos, tinham lutado como guerreiros. Esta nova raça estava composta por covardes que se escondiam atrás da tecnologia.

— Chama à Irmandade — vociferou. — Diga-lhes que venham imediatamente.
— Sim, é obvio. Senhor... Darius me pediu que lhe desse isto — o mordomo estendeu algo, — se você não estivesse com ele quando morresse.
Wrath agarrou o envelope e retornou ao aposento, sem poder oferecer compaixão alguma nem ao Fritz nem a ninguém. Marissa tinha partido, o que era bom para ela.
Colocou a última carta de Darius no bolso de sua calça de couro.
E deu rédea solta a sua ira.
As lâmpadas explodiram e caíram em pedacinhos enquanto um torvelinho de ferocidade girava a seu redor, cada vez mais forte, mais rápido, mais escuro, até que o mobiliário se elevou do chão traçando círculos ao redor do vampiro. Jogou para trás a cabeça e rugiu.

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