Desce então para a Hospedaria do Sol-Poente. Nossa! Não há outra. Mas fica-se muito bem ali. Ele se lembra de que, nos velhos tempos, contavam-se ali belas histórias! Como está batendo o seu coração! O que é que ela vai dizer quando o vir?
A primeira pessoa que avista quando entra na velha sala enfumaçada da hospedaria é a Sra. Tricard. Ela o reconhece. Faz-lhe cumprimentos. Pergunta-lhe o que o traz ali. Ele cora. Diz que, tendo vindo a Lannion a negócio, fez questão de “dar uma espichada até ali para lhe dizer um bom-dia”. Ela quer servir-lhe um jantar, mas ele diz: “Logo mais”. Parece estar esperando alguma coisa ou alguém. A porta se abre. Ele está de pé. Não se enganou: é ela! Ele quer falar, não consegue. Ela fica ali à sua frente, sorridente, sem demonstrar espanto ou surpresa. Suas faces estão frescas e rosadas como um morango nascido na sombra. Por certo a jovem está excitada por uma caminhada rápida. O seu seio, que encerra um coração sincero, arfa suavemente. Os olhos, claros espelhos de um azul pálido, da cor dos lagos que sonham imóveis, bem lá no alto rumo ao norte do mundo, os olhos lhe trazem tranqüilamente o reflexo da alma cândida. O casaco de pele está entreaberto sobre um porte flexível, sobre a linha harmoniosa de seu jovem corpo cheio de graça. Raoul e Christine olham longamente um para o outro. A Sra. Tricard sorri e, discreta, se esquiva. Finalmente Christine fala:
— Você veio, e isso não me admira. Eu tinha o pressentimento de que iria encontrá-lo aqui, nesta hospedaria, ao voltar da missa. Alguém me disse, lá. Sim, alguém me anunciou a sua chegada.
— Quem foi? — pergunta Raoul, tomando nas suas as mãozinhas de Christine que não as retira.
— Ora, o meu pobre falecido papai. Houve um silêncio entre os dois jovens. Depois, Raoul retoma a conversa:
— O seu pai lhe disse também que eu a amo, Christine, e que eu não posso viver sem você?
Christine cora até os cabelos e desvia a cabeça. E diz com voz trêmula:
— A mim? Você está louco, meu amigo.
E ela se põe a rir para, como se diz, não ficar sem jeito.
— Não ria, Christine, é muito sério.” E ela replica, grave:
— Eu não fiz você vir até aqui para me dizer coisas assim.
— Você me fez vir, Christine; você adivinhou que a sua carta não me deixaria indiferente e que eu viria correndo para Perros. Como você pôde pensar assim, se você não sabia que eu a amava?
— Pensei que você se lembraria das brincadeiras da nossa infância às quais o meu pai se juntava com freqüência... Talvez tenha feito mal em lhe escrever... O seu aparecimento tão súbito, na outra noite, no meu camarim, havia me levado para longe, bem longe no passado, e eu lhe escrevi como uma menina que eu era então, que ficaria feliz de rever e de ter ao lado, num momento de tristeza e de solidão, o seu companheirinho
Por um instante, guardaram silêncio. Há na atitude de Christine alguma coisa que Raoul não acha natural, embora não consiga precisar o que seja. Entretanto, ele não a sente hostil; longe disso... a ternura desolada de seus olhos o diz suficientemente. Mas por que essa ternura está desolada?... Aí está, talvez, o que é preciso saber e o que já irrita o rapaz...
— Quando você me viu em seu camarim, era a primeira vez que você estava me vendo, Christine?
Esta não sabia mentir. Ela disse:
— Não! Eu já tinha visto você várias vezes no camarote do seu irmão. E também depois no tablado.
— E o que eu achava! — exclama Raoul apertando os lábios. — Mas por que então, quando você me viu no seu camarim e lembrando a você que eu tinha ido buscar a sua echarpe no mar, por que você respondeu como se não me conhecesse e até riu?
O tom dessas perguntas é tão ridículo que Christine olha para Raoul, espantada, e não lhe responde. O próprio rapaz fica estupefato diante dessa briga súbita, que ele provocara no momento em que só queria fazer com que Christine ouvisse dele palavras de doçura, de amor e de submissão. Um marido, um amante que tem todos os direitos não falaria diferentemente à sua mulher ou companheira que o tivesse ofendido. Mas ele se irrita com os erros que comete e, achando-se estúpido, não encontra outra saída para aquela ridícula situação a não ser na decisão intempestiva que toma de se mostrar odioso.
— Você não me responde! — diz ele, enraivecido e infeliz. — Pois bem, vou responder para você! É porque havia alguém naquele camarim que a perturbava, Christine! Alguém a quem você não queria mostrar que você podia estar se interessando por outra pessoa que não fosse ele!...
— Se alguém me perturbava, meu amigo... — interrompe Christine num tom gelado — ... se alguém me perturbava, naquela noite, devia ser você, porque foi você que eu pus para fora da porta!...
— Sim!... para ficar com o outro!...
— O que é que está dizendo, meu senhor? — pergunta a moça ofegante — ... e de que outro se trata agora?
— Daquele a quem você disse: “Eu só canto para você! Eu lhe dei a minha alma esta noite, e estou morta!”
Christine agarra o braço de Raoul: apertou-o com uma força que não se suporia ser possível em um ser tão frágil.
— Você estava escutando atrás da porta?
— Estava! porque eu amo você... E ouvi tudo...
— Você ouviu o quê? — E a moça, retomando uma calma estranha, larga o braço de Raoul.
— Ele lhe disse: “É preciso me amar!”
A estas palavras, uma palidez cadavérica se espalha pelo rosto de Christine, os seus olhos se turvam... Ela cambaleia, vai cair, Raoul se precipita, estende o braço, mas já Christine superou esse desfalecimento passageiro e, em voz baixa, quase expirante:
— Diga! diga de novo! diga tudo o que você ouviu!
Raoul olha para ela, hesita, não entende nada do que está se passando.
— Mas diga! diga sim! Não vê que você está me matando!...
— Eu ouvi ainda que ele lhe respondeu, quando você lhe disse que lhe havia dado a alma: “A sua alma é muito bela, minha menina, e eu lhe agradeço. Não há imperador que tenha recebido presente igual! Os anjos choraram esta noite!”
Christine coloca a mão sobre o coração. Fita Raoul com uma emoção indescritível. O seu olhar está tão agudo, tão fixo, que parece o de uma pessoa insensata. Raoul está apavorado. Mas eis que os olhos de Christine se umedecem e sobre as suas faces de marfim deslizam duas pérolas, duas pesadas lágrimas...
— Christine!...
— Raoul!...
O rapaz quer segurá-la, mas ela lhe escorrega das mãos e escapa muito confusa.
A primeira pessoa que avista quando entra na velha sala enfumaçada da hospedaria é a Sra. Tricard. Ela o reconhece. Faz-lhe cumprimentos. Pergunta-lhe o que o traz ali. Ele cora. Diz que, tendo vindo a Lannion a negócio, fez questão de “dar uma espichada até ali para lhe dizer um bom-dia”. Ela quer servir-lhe um jantar, mas ele diz: “Logo mais”. Parece estar esperando alguma coisa ou alguém. A porta se abre. Ele está de pé. Não se enganou: é ela! Ele quer falar, não consegue. Ela fica ali à sua frente, sorridente, sem demonstrar espanto ou surpresa. Suas faces estão frescas e rosadas como um morango nascido na sombra. Por certo a jovem está excitada por uma caminhada rápida. O seu seio, que encerra um coração sincero, arfa suavemente. Os olhos, claros espelhos de um azul pálido, da cor dos lagos que sonham imóveis, bem lá no alto rumo ao norte do mundo, os olhos lhe trazem tranqüilamente o reflexo da alma cândida. O casaco de pele está entreaberto sobre um porte flexível, sobre a linha harmoniosa de seu jovem corpo cheio de graça. Raoul e Christine olham longamente um para o outro. A Sra. Tricard sorri e, discreta, se esquiva. Finalmente Christine fala:
— Você veio, e isso não me admira. Eu tinha o pressentimento de que iria encontrá-lo aqui, nesta hospedaria, ao voltar da missa. Alguém me disse, lá. Sim, alguém me anunciou a sua chegada.
— Quem foi? — pergunta Raoul, tomando nas suas as mãozinhas de Christine que não as retira.
— Ora, o meu pobre falecido papai. Houve um silêncio entre os dois jovens. Depois, Raoul retoma a conversa:
— O seu pai lhe disse também que eu a amo, Christine, e que eu não posso viver sem você?
Christine cora até os cabelos e desvia a cabeça. E diz com voz trêmula:
— A mim? Você está louco, meu amigo.
E ela se põe a rir para, como se diz, não ficar sem jeito.
— Não ria, Christine, é muito sério.” E ela replica, grave:
— Eu não fiz você vir até aqui para me dizer coisas assim.
— Você me fez vir, Christine; você adivinhou que a sua carta não me deixaria indiferente e que eu viria correndo para Perros. Como você pôde pensar assim, se você não sabia que eu a amava?
— Pensei que você se lembraria das brincadeiras da nossa infância às quais o meu pai se juntava com freqüência... Talvez tenha feito mal em lhe escrever... O seu aparecimento tão súbito, na outra noite, no meu camarim, havia me levado para longe, bem longe no passado, e eu lhe escrevi como uma menina que eu era então, que ficaria feliz de rever e de ter ao lado, num momento de tristeza e de solidão, o seu companheirinho
Por um instante, guardaram silêncio. Há na atitude de Christine alguma coisa que Raoul não acha natural, embora não consiga precisar o que seja. Entretanto, ele não a sente hostil; longe disso... a ternura desolada de seus olhos o diz suficientemente. Mas por que essa ternura está desolada?... Aí está, talvez, o que é preciso saber e o que já irrita o rapaz...
— Quando você me viu em seu camarim, era a primeira vez que você estava me vendo, Christine?
Esta não sabia mentir. Ela disse:
— Não! Eu já tinha visto você várias vezes no camarote do seu irmão. E também depois no tablado.
— E o que eu achava! — exclama Raoul apertando os lábios. — Mas por que então, quando você me viu no seu camarim e lembrando a você que eu tinha ido buscar a sua echarpe no mar, por que você respondeu como se não me conhecesse e até riu?
O tom dessas perguntas é tão ridículo que Christine olha para Raoul, espantada, e não lhe responde. O próprio rapaz fica estupefato diante dessa briga súbita, que ele provocara no momento em que só queria fazer com que Christine ouvisse dele palavras de doçura, de amor e de submissão. Um marido, um amante que tem todos os direitos não falaria diferentemente à sua mulher ou companheira que o tivesse ofendido. Mas ele se irrita com os erros que comete e, achando-se estúpido, não encontra outra saída para aquela ridícula situação a não ser na decisão intempestiva que toma de se mostrar odioso.
— Você não me responde! — diz ele, enraivecido e infeliz. — Pois bem, vou responder para você! É porque havia alguém naquele camarim que a perturbava, Christine! Alguém a quem você não queria mostrar que você podia estar se interessando por outra pessoa que não fosse ele!...
— Se alguém me perturbava, meu amigo... — interrompe Christine num tom gelado — ... se alguém me perturbava, naquela noite, devia ser você, porque foi você que eu pus para fora da porta!...
— Sim!... para ficar com o outro!...
— O que é que está dizendo, meu senhor? — pergunta a moça ofegante — ... e de que outro se trata agora?
— Daquele a quem você disse: “Eu só canto para você! Eu lhe dei a minha alma esta noite, e estou morta!”
Christine agarra o braço de Raoul: apertou-o com uma força que não se suporia ser possível em um ser tão frágil.
— Você estava escutando atrás da porta?
— Estava! porque eu amo você... E ouvi tudo...
— Você ouviu o quê? — E a moça, retomando uma calma estranha, larga o braço de Raoul.
— Ele lhe disse: “É preciso me amar!”
A estas palavras, uma palidez cadavérica se espalha pelo rosto de Christine, os seus olhos se turvam... Ela cambaleia, vai cair, Raoul se precipita, estende o braço, mas já Christine superou esse desfalecimento passageiro e, em voz baixa, quase expirante:
— Diga! diga de novo! diga tudo o que você ouviu!
Raoul olha para ela, hesita, não entende nada do que está se passando.
— Mas diga! diga sim! Não vê que você está me matando!...
— Eu ouvi ainda que ele lhe respondeu, quando você lhe disse que lhe havia dado a alma: “A sua alma é muito bela, minha menina, e eu lhe agradeço. Não há imperador que tenha recebido presente igual! Os anjos choraram esta noite!”
Christine coloca a mão sobre o coração. Fita Raoul com uma emoção indescritível. O seu olhar está tão agudo, tão fixo, que parece o de uma pessoa insensata. Raoul está apavorado. Mas eis que os olhos de Christine se umedecem e sobre as suas faces de marfim deslizam duas pérolas, duas pesadas lágrimas...
— Christine!...
— Raoul!...
O rapaz quer segurá-la, mas ela lhe escorrega das mãos e escapa muito confusa.
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