Capitulo 31

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

— Como! meu escudeiro-chefe?
— Sim, senhor — explicou Mercier. — Existem na Ópera vários escudeiros, e o Sr. Lachenal é o chefe deles.
— E o que é que faz esse escudeiro?
— É responsável pela alta direção da estrebaria.
— Que estrebaria?
— A sua, meu senhor. A estrebaria da Ópera.
— Existe uma estrebaria na Ópera? Palavra que eu não sabia! E onde é que ela fica?
— Na parte de baixo, do lado da Rotunda. E um serviço muito importante, nós temos doze cavalos.
— Doze cavalos! E para fazer o quê, Deus do céu?
— Ora, para os desfiles de A judia, do Profeta etc, são necessários cavalos adestrados, que “saibam representar no palco”. Os escudeiros estão encarregados de ensinar isso a eles. O Sr. Lachenal é extremamente habilidoso nisso. Ele é o antigo diretor das estrebarias de Franconi.
— Muito bem... mas o que é que ele quer de mim?
— Eu não sei de nada... Nunca o vi em semelhante estado.
— Mandem-no entrar!...
O Sr. Lachenal entra. Traz um chicote na mão e açoita nervosamente com ele uma de suas botas.
— Bom dia, Sr. Lachenal — disse Richard, impressionado. — A que devemos a honra da sua visita?
— Senhor diretor, venho lhe pedir para pôr toda a estrebaria no olho da rua.
— Como! O senhor quer pôr os nossos cavalos no olho da rua?
— Não se trata dos cavalos, mas dos cavalariços.
— Quantos cavalariços o senhor tem, Sr. Lachenal?
— Seis!
— Seis cavalariços! Tem pelo menos dois a mais!
— São “vagas” que foram criadas e nos foram impostas pela Subsecretaria das Belas-Artes. Estão sendo ocupadas por protegidos do governo, e se ouso me permitir...
— O governo, estou pouco ligando para ele!... — afirmou Richard com energia. — Não precisamos de mais de quatro cavalariços para doze cavalos.
— Onze! — retificou o escudeiro-chefe.
— Doze! — insistiu Richard.
— Onze! — redarguiu Lachenal.
— Ah! foi o administrador quem me disse que o senhor tinha doze cavalos!
— Tinha doze, mas agora só tenho onze, desde que nos roubaram o César!
E, ao dizer isso, o Sr. Lachenal dá uma forte chicotada na bota.
— Roubaram o César — gritou o administrador. — César, o cavalo branco do Profeta.
— Não existem dois Césares! — declarou em tom seco o escudeiro-chefe. — Estive dez anos a serviço de Franconi e vi um bocado de cavalos! Pois bem, não existem dois Césares! E nos roubaram esse cavalo.
— Como assim?
— Eu não sei de nada! Ninguém sabe de nada! Aí está por que eu estou lhe pedindo para pôr toda a estrebaria no olho da rua.
— O que é que eles dizem, os seus cavalariços?
— Asneiras... uns acusam os figurantes... outros pretendem que foi o porteiro da administração.
— O porteiro da administração? Respondo por ele como por mim mesmo! — protestou Mercier.
— Mas afinal, senhor primeiro-escudeiro — bradou Richard —, o senhor deve ter alguma idéia!...
— Pois bem, tenho, tenho uma idéia! — declarou de repente o Sr. Lachenal —, e vou lhes dizer qual é. Para mim, não há dúvida. — O primeiro-escudeiro aproximou-se dos diretores e lhes cochichou no ouvido: — Foi o fantasma da ópera quem deu esse golpe!
Richard levou um susto.
— Ah! o senhor também! o senhor também!
— Como? eu também? É a coisa mais natural do mundo...
— Mas como então! Sr. Lachenal!, mas como então, Sr. primeiro-escudeiro.. .
— Vou dizer o que é que eu penso depois do que vi.
— E o que é que o senhor viu, Sr. Lachenal?
— Eu vi, como estou vendo o senhor, uma sombra negra que montava um cavalo branco que se parecia como duas gotas de água com o César!
— E o senhor não correu atrás desse cavalo branco e dessa sombra preta?
— Eu corri e chamei, senhor diretor, mas eles fugiram com uma rapidez desconcertante e desapareceram na noite da galeria...
O Sr. Richard se levantou.
— Está bem, Sr. Lachenal. O senhor pode se retirar... nós vamos registrar queixa contra o fantasma...
— E o senhor vai botar a minha estrebaria no olho da rua!
— Certo! Até logo, meu senhor.
O Sr. Lachenal cumprimentou e saiu. Richard estava espumando.
— O senhor vai fazer as contas desse imbecil!
— Ele é amigo do comissário do governo! — ousou Mercier...
— E ele toma o aperitivo em Tortoni com Lagrené, Scholl e Pertuiset, o matador de leões — acrescentou Moncharmin. — Vão colocar toda a imprensa nos seus calcanhares! Ele vai contar a história do fantasma e todo mundo vai se divertir à nossa custa! Se cairmos no ridículo, estamos mortos!
— Está certo, não se fala mais nisso... — concedeu Richard, que já estava pensando noutra coisa.
Nesse momento a porta se abriu e, sem dúvida, essa porta não estava sendo então defendida por seu cérbero costumeiro, pois se viu entrar de supetão a Sra. Giry com uma carta na mão e dizer precipitadamente:
— Com licença, desculpem, meus senhores, mas recebi hoje de manhã uma carta do fantasma da Ópera. Ele me diz para passar aqui, pois aparentemente os senhores têm alguma coisa para me...
Não terminou a frase. Viu o rosto de Firmin Richard e ele estava terrível. O honorável diretor da Ópera estava prestes a explodir. O furor que o agitava ainda não se traduzia exteriormente senão pela cor escarlate de suas faces furibundas e pelo brilho dos seus olhos fulgurantes. Ele não disse nada. Não podia falar. Mas, de repente, o seu gesto saiu. Foi primeiro o braço esquerdo que pegou a risível pessoa da Sra. Giry e fê-la descrever uma meia-volta tão inesperada, uma pirueta tão rápida que esta soltou um clamor desesperado e, depois, foi o pé direito do mesmo honorável diretor que foi imprimir a sua sola no tafetá preto de uma saia que, certamente, ainda não tivera, num lugar desses, recebido tamanho ultraje.
O acontecimento fora tão precipitado que a Sra. Giry, quando já se encontrava na galeria, estava ainda atordoada e parecia não entender o que se passara. Mas, de repente, entendeu, e a Ópera ressoou com os seus gritos indignados, com os seus protestos violentos, com as suas ameaças de morte. Foram necessários três rapazes para levá-la para baixo, até o pátio da administração, e dois policiais para carregá-la até a rua.
Mais ou menos na mesma hora, Carlotta, que morava num pequeno hotel da rua do Faubourg-Saint-Honoré, tocava a campainha para chamar a camareira e pedir-lhe que trouxesse a correspondência até a cama. Nessa correspondência encontrou uma carta anônima que dizia:

Se você cantar esta noite, tema que lhe aconteça uma grande desgraça no momento mesmo em que estiver cantando... uma desgraça pior do que a morte.

Essa ameaça estava traçada em vermelho, com uma letra hesitante e feita de bastõezinhos.
Lida a carta, Carlotta ficou sem apetite para tomar o café da manhã. Empurrou a bandeja sobre a qual a camareira lhe apresentava o chocolate fumegante. Sentou-se na cama e refletiu profundamente. Não era a primeira carta do gênero que recebia, mas nunca tinha lido nenhuma tão ameaçadora.
Ela acreditava, nesse momento, ser vítima das mil tramas do ciúme e contava a todos que tinha um inimigo secreto que havia jurado a sua ruína. Pretendia que se urdia contra ela alguma armação maldosa, alguma cabala que explodiria qualquer dia desses; mas não era mulher de se deixar intimidar, acrescentava.
A verdade era que, se cabala havia, esta era conduzida pela própria Carlotta contra a pobre Christine, que nem desconfiava de nada. Carlotta não perdoara a Christine o triunfo que arrebatara quando a substituíra de última hora.
Quando lhe contaram a acolhida extraordinária que tinham dado à sua substituta, Carlotta se sentira instantaneamente curada de um início de bronquite e de um acesso de mau humor contra a administração, e nunca mais mostrara a menor veleidade de abandonar o emprego. Desde o episódio, vinha trabalhando com todas as forças para “abafar” a sua rival, fazendo agir amigos poderosos junto dos diretores para que não dessem a Christine qualquer oportunidade de novo triunfo. Certos jornais que tinham começado a cantar o talento de Christine só cuidavam agora da glória de Carlotta. Enfim, mesmo no teatro, a célebre diva dizia sobre Christine as coisas mais ultrajantes e tentava causar-lhe mil pequenos aborrecimentos.

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