terça-feira, 29 de setembro de 2009

— No quarto, ao lado do órgão, com uma outra chavinha de bronze, em que também ele me proibiu de tocar. Estão ambas numa bolsinha de couro que ele chama de A bolsinha da vida e da morte... Raoul!... Raoul... fuja!... tudo aqui é misterioso e terrível... e Erik vai ficar enlouquecido se descobrir que estão aqui... E vocês estão no quarto dos suplícios!... Vão embora por onde vieram! Esse quarto deve ter razões para ser chamado assim!
— Christine! — disse o rapaz —, nós sairemos daqui juntos ou morreremos!
— Só depende de nós sairmos daqui sãos e salvos — repliquei —, mas é preciso conservar o sangue-frio. Por que ele amarrou você? Você não pode escapar da casa dele, ele bem sabe!
— Eu quis me matar! O monstro, esta noite, depois de ter-me transportado desmaiada para cá, meio cloroformizada, ausentou-se. Estava, foi ele quem me disse, na casa do seu banqueiro!... Quando voltou, encontrou-me com o rosto em sangue... eu tinha tentado me matar! Tinha batido a testa nas paredes.
— Christine! — gemeu Raoul e começou a soluçar.
— Então ele me amarrou... não tenho o direito de morrer a não ser amanhã à noite, às 11 horas!...
Toda essa conversa através da parede era muito mais entrecortada e muito mais prudente do que eu poderia dar a impressão ao transcrevê-la aqui. Muitas vezes parávamos no meio de uma frase, porque nos parecia ouvir um estalido, um passo, um movimento insólito... Ela nos dizia: “Não! Não! não é ele!... Ele saiu! Ele saiu mesmo! Reconheci o barulho que faz, ao se fechar, a parede do lago”.
— Christine! — disse eu —, foi o monstro que a amarrou... ele é quem vai desamarrá-la... Trata-se apenas de representar a peça necessária para isso!... Não esqueça que ele a ama!
— Infeliz de mim, como farei para esquecê-lo um dia!
— Lembre-se disso para lhe sorrir... suplique-lhe... diga-lhe que essas amarras a estão machucando.
Mas Christine Daaé nos disse:
— Psiu!... Estou ouvindo algo na parede do lago!... E ele!... Vão-se embora!... Vão-se embora!... Vão-se embora!...
— Não iremos embora, mesmo se quisermos! — afirmei de modo a impressionar a moça. — Não podemos mais sair! E estamos no quarto dos suplícios!
— Silêncio! — sussurrou Christine.
Calamo-nos os três. Passos pesados arrastavam-se lentamente atrás da parede, depois paravam e de novo faziam gemer o assoalho.
Então houve um suspiro formidável seguido de um grito de horror de Christine, e ouvimos a voz de Erik.
— Peço-lhe perdão por lhe mostrar um rosto como este! Estou num belo estado, não é? A culpa é do outro! Por que tocou a campainha? Acaso pergunto aos que passam que horas são? Ele não perguntará mais a hora para ninguém. É culpa da sereia...
Mais um suspiro, mais profundo, mais formidável, vindo das profundezas do abismo de uma alma.
— Por que você gritou, Christine?
— Porque estou sofrendo, Erik.
— Pensei que lhe tinha metido medo...
— Erik, desamarre as cordas... não sou a sua prisioneira?
— Você ainda vai querer morrer...
— Você me deu até amanhã à noite, às 11 horas, Erik... Os passos se arrastam ainda no assoalho.
— Afinal de contas, já que devemos morrer juntos... e tenho tanta pressa quanto você... sim, eu também, estou farto desta vida, você entende!... Espere, não se mexa, vou soltar você... Você só tem uma palavra a dizer: não! e tudo estará acabado imediatamente, para todo o mundo... Você tem razão... você tem razão! Por que esperar até amanhã às 11 horas da noite? Ah! sim, porque ficaria mais bonito!... sempre tive a doença do decoro... do grandioso... é infantil!... E preciso pensar só em si mesmo na vida!... em sua própria morte... o resto é supérfluo... Está vendo como estou molhado?... Ah! minha querida, é que eu fiz mal de sair... está um tempo do cão!... Afora isso, Christine, creio que estou tendo alucinações... Sabe, aquele que estava tocando há pouco a campainha da sirene, vá ver no fundo do lago se ele ainda toca. Pois bem, ele parecia... Aí, vire... está contente? Você está livre... Meu Deus! os seus pulsos, Christine! eu os machuquei, diga?... Só isso já merece a morte... Por falar em morte, eu preciso cantar a missa para ele!
Ao ouvir essas terríveis palavras, não pude evitar um pressentimento horroroso... Também, uma vez, havia tocado a campainha à porta do monstro... e sem o saber, é claro, tinha acionado alguma corrente de alarme... E ainda me lembro dos dois braços que saíram das águas negras como tinta... quem era desta vez o infeliz perdido naquelas margens?
O pensamento daquele infeliz me impedia quase de me alegrar com o estratagema de Christine e, no entanto, o visconde de Chagny murmurava no meu ouvido esta palavra mágica: “Livre!...” Quem? Quem era o outro? Aquele por quem ouvíamos agora a missa de defuntos?
Ah! esse canto sublime e furioso! Toda a casa do Lago troava com ele... Todas as entranhas da terra estremeciam... Tínhamos aplicado os ouvidos contra a parede de espelho para ouvir melhor o jogo de Christine Daaé, o jogo que ela jogava para nossa libertação, mas só ouvíamos a missa de defuntos. Aquilo era mais uma missa de condenados... Fazia, no fundo da terra, uma ronda de demônios.
Lembro-me de que o Dies irae que ele cantou nos envolveu como uma tempestade. Sim, tínhamos o raio ao redor de nós, e relâmpagos... Realmente! eu o ouvira cantar no passado... Ele chegava até a fazer cantar as gargantas de pedra dos meus touros androcéfalos, nas muralhas do palácio de Mazenderã... Mas cantar assim, nunca! nunca! Ele cantava como o deus do trovão...
De repente, a voz e o órgão pararam tão bruscamente que o Sr. De Chagny e eu recuamos atrás da parede, de tal modo ficamos surpresos... E a voz, subitamente mudada, transformada, rangeu distintamente todas estas sílabas metálicas:
— O que é que você fez da minha bolsa?




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