sábado, 12 de setembro de 2009


VII

UMA VISITA AO CAMAROTE N° 5

Deixamos os Srs. Firmin Richard e Armand Moncharmin no momento em que decidiam ir fazer uma visitinha ao primeiro camarote nº 5.
Deixaram atrás de si a larga escadaria que conduz do Vestíbulo da administração ao palco e a suas dependências; atravessaram o palco (o tablado), entraram no teatro pela entrada dos assinantes, depois, na sala, pelo primeiro corredor à esquerda. Resvalaram então entre as poltronas da platéia e olharam para o primeiro camarote nº 5. Enxergaram-no mal porque estava mergulhado em uma semi-escuridão e porque imensas capas tinham sido jogadas por sobre o veludo vermelho dos apoios de braço.
Nesse momento, estavam quase sós na imensa nave tenebrosa e um grande silêncio os cercava. Era a hora tranqüila em que os maquinistas vão beber.
A equipe tinha momentaneamente esvaziado o palco, deixando um cenário meio plantado; algumas réstias de luz (uma luz opaca, sinistra, que parecia roubada de um astro moribundo) tinham-se insinuado, por não se sabe que abertura, até uma velha torre que levantava as suas ameias de papelão sobre o palco; as coisas, nessa noite factícia, ou melhor, nesse dia enganoso, tomavam estranhas formas. Sobre as poltronas da platéia, o pano que as cobria parecia um mar em fúria, cujas vagas glaucas tinham sido instantaneamente imobilizadas pela ordem secreta do gigante das tempestades, que, como todos sabem, se chama Adamastor. Moncharmin e Richard eram os náufragos dessa reviravolta imóvel de um mar de pano pintado. Avançavam em direção dos camarotes da esquerda, com grandes braçadas, como marujos que abandonaram o bote e procuram alcançar a praia. As oito grandes colunas de mármore polido erguiam-se na sombra como outros tantos prodigiosos pilotis destinados a sustentar a falésia ameaçadora, barriguda e prestes a desmoronar, cujas fundações eram representadas pelas linhas circulares, paralelas e arcadas dos parapeitos dos primeiros, segundos e terceiros camarotes. Do alto, bem no alto da falésia, dependuradas no céu de cobre de Lenepveu, figuras faziam caretas, riam, zombavam da inquietação dos Srs. Moncharmin e Richard. Elas se chamavam Ísis, Anfitrite, Hebéia, Flora, Pandora, Psique, Tétis, Pomona, Dafne, Clítia, Galatéia, Aretusa. Sim, a própria Aretusa e Pandora, que todos conhecem por causa de sua caixa, olhavam para os novos diretores da Ópera que acabavam de se agarrar em algum destroço e, de lá, contemplavam em silêncio o primeiro camarote nº 5. Disse que estavam inquietos. Pelo menos, presumo. Moncharmin, em todo caso, confessava-se impressionado. Disse textualmente:

Aquele balanço (que estilo!) do fantasma da Ópera, sobre o qual nos fizeram tão gentilmente subir, desde que assumimos a sucessão dos
Srs. Poligny e Debienne, acabou, sem dúvida, por perturbar as minhas faculdades imaginativas e, afinal de contas, visuais, pois (seria o cenário excepcional em que nos movíamos, no centro de um incrível silêncio que nos impressionou a esse ponto?... Teríamos sido joguete de uma espécie de alucinação possibilitada pela quase escuridão da sala e a penumbra que envolvia o camarote n°. 5?) eu vi e Richard também viu, no mesmo instante, uma forma no camarote n°. 5. Richard não disse nada, nem eu, aliás. Mas seguramos a mão um do outro num mesmo gesto. Depois, esperamos assim alguns minutos, sem nos mexer, com os olhos sempre fixos no mesmo ponto: mas a forma tinha sumido. Então, saímos e, no corredor, trocamos as nossas impressões e falamos da forma. O problema é que a minha forma, a que eu vi, não era absolutamente a forma de Richard. Eu tinha visto como uma espécie de caveira que estava colocada no rebordo do camarote, ao passo que Richard tinha vislumbrado uma forma de mulher velha que era parecida com a Sra. Giry. Tanto assim que nós vimos e corremos sem demora, rindo como loucos, para o primeiro camarote n°. 5, no qual entramos e não achamos ninguém.

E agora aqui estamos no camarote nº 5.
É um camarote como todos os outros primeiros camarotes. Na verdade, nada o distingue dos outros.
Moncharmin e Richard, divertindo-se ostensivamente e rindo um do outro, remexiam os móveis do camarote, levantavam as capas e as poltronas e examinavam particularmente aquele em que a voz tinha o costume de sentar-se. Mas constataram que era uma poltrona honesta, que nada tinha de mágica. Em suma, o camarote era o mais normal dos camarotes, com a sua tapeçaria vermelha, poltronas, carpete, e seu apoio de braço em veludo vermelho. Após ter apalpado o mais seriamente possível o carpete e não ter achado, deste lado como dos outros, nada de especial, desceram para a frisa nº 5, que fica bem no canto da primeira saída à esquerda das poltronas da platéia, e não encontraram nada tampouco que merecesse ser mencionado.
— Toda essa gente está zombando de nós — acabou por exclamar Firmin Richard. — Sábado leva-se Fausto; nós dois vamos assistir à representação no primeiro camarote nº 5!








VIII

EM QUE OS SRS. FIRMIN RICHARD E ARMAND MONCHARMIN TÊM A AUDÁCIA DE FAZER REPRESENTAR FAUSTO NUMA SALA MALDITA, E O PAVOROSO ACONTECIMENTO QUE DISSO RESULTOU

Mas no sábado de manhã, ao chegarem ao seu gabinete, os diretores encontraram uma carta dupla do fantasma da Ópera com o seguinte teor:

Meus caros diretores,
Então é a guerra?
Se os senhores ainda fazem questão da paz, aqui vai o meu ultimátum.
Ele está nas quatro condições seguintes:
1ª Devolver-me o meu camarote — e quero que esteja ao meu inteiro dispor a partir de agora;
2ª O papel de Margarida será cantado esta noite por Christine Daaé. Não se preocupem com a Carlotta, que estará doente;
3ª Faço absoluta questão de continuar com os bons e leais serviços da Sra. Giry, minha lanterninha, a quem os senhores reintegrarão imediatamente em suas funções;
4ª Dêem-me conhecimento, mediante uma carta entregue a Sra. Giry, que a passará às minhas mãos, de que os senhores aceitam, como os seus predecessores, as condições do meu caderno de encargos relativas aos meus honorários mensais. Comunicarei ulteriormente aos senhores de que forma deverão fazer o pagamento.
Senão, os senhores levarão Fausto, esta noite, em uma sala maldita.
A bom entendedor, saudações!
F. da Ó.
— Ora bolas, para mim, ele já está enchendo as minhas medidas!... Está enchendo!... — urrou Richard, levantando os punhos vingadores e deixando-os cair ruidosamente sobre a mesa do seu gabinete.
Entrementes, Mercier, o administrador, entrou.
— Lachenal gostaria de falar com um dos senhores — disse. — Parece um caso urgente, e o homem me parece completamente alterado.
— Quem é esse Lachenal? — perguntou Richard.
— É o seu escudeiro-chefe.

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