Raoul ficou só. Toda essa parte do teatro estava deserta agora. Devia-se proceder à cerimônia de adeus, no pavilhão da dança. Raoul pensou que talvez Christine fosse até lá e ficou esperando na solidão e no silêncio. Chegou até a dissimular-se na sombra propícia de um canto de porta. Continuava com essa horrível dor no lugar do coração. E era disso que ele queria falar com Christine, sem tardar. De repente a porta se abriu e ele viu a camareira saindo sozinha, carregando alguns pacotes. Ele a fez parar e pediu notícias de sua patroa. Respondeu rindo que ela ia muito bem, mas não se devia perturbá-la pois desejava ficar só. E foi-se embora. Uma idéia atravessou o cérebro abrasado de Raoul: evidentemente Christine queria ficar sozinha para ele!... Não lhe havia ele dito que queria falar com ela em particular e não foi esta a razão por que esvaziara o espaço em torno de si? Mal conseguindo respirar, aproximou-se do camarim e, de ouvido inclinado para a porta a fim de ouvir o que lhe seria respondido, dispôs-se a bater. Mas a sua mão caiu de volta. Acabara de perceber, no camarim, uma voz de homem, que dizia num tom singularmente autoritário:
— Christine, você precisa me amar!
E a voz de Christine, dolorosamente, que se adivinhava vir acompanhada de lágrimas, voz trêmula, respondia:
— Como pode me dizer isso? Eu que só canto para você! Raoul apoiou-se na porta, de tanto que sofria. O seu coração, que ele acreditara ter ido embora para sempre, tinha voltado para o seu peito e lhe dava batidas retumbantes. Elas ressoavam por todo o corredor e os ouvidos de Raoul estavam ficando ensurdecidos. Certamente, se o coração dele continuasse fazendo tanto estardalhaço, iriam ouvi-lo, iriam abrir a porta e seria vergonhosamente expulso. Que situação para um Chagny! Ficar escutando atrás da porta! Pegou o coração com as duas mãos para fazê-lo calar-se. Mas um coração não é a goela de um cão, e mesmo quando se segura a goela de um cão com as duas mãos — um cão que late insuportavelmente —, continua-se a ouvi-lo rosnar.
A voz de homem fez-se ouvir novamente:
— Você deve estar cansada.
— Oh! esta noite eu lhe dei a minha alma e estou morta.
— A sua alma é muito bela, minha menina — replicou a voz grave de homem —, e eu lhe agradeço. Não há imperador que tenha recebido presente igual! Os anjos choraram esta noite.
Depois destas palavras: os anjos choraram esta noite, o visconde não ouviu mais nada. Entretanto, não se retirou, mas, como temesse ser surpreendido, lançou-se de novo no seu canto escuro, decidido a esperar ali que o homem saísse do camarim. Na mesma hora, ele acabava de conhecer o amor e o ódio. Sabia que estava amando. Queria conhecer a quem odiava. Para sua grande estupefação, a porta se abriu e Christine Daaé, envolta em peles e com o rosto escondido sob uma renda, saiu sozinha. Encostou a porta, mas Raoul observou que ela não a fechara com chave. Ela passou. Ele não a seguiu nem sequer com os olhos, pois os seus olhos estavam fixos na porta que não se reabria. Então o corredor ficou novamente deserto e ele o atravessou. Abriu a porta do camarim e voltou a fechá-la atrás de si. Encontrava-se na mais completa escuridão. Tinham apagado o gás.
— Há alguém aqui? — disse Raoul com voz vibrante. — Por que está se escondendo?
Ao dizer isso, mantinha-se encostado na porta fechada.
A noite e o silêncio. Raoul só ouvia o ruído da sua própria respiração. Por certo não se dava conta de que a sua conduta era de uma indiscrição que ultrapassava tudo que pudesse imaginar.
— Você só sairá daqui quando eu permitir! — bradou o rapaz. — Se não me responder, você é um covarde! Eu vou saber desmascará-lo!
E riscou um fósforo. A chama iluminou o camarim. Não havia ninguém ali! Raoul, depois de ter tido o cuidado de fechar a porta a chave, acendeu os globos, os candeeiros. Penetrou no banheiro, abriu os armários, procurou, apalpou as paredes com suas mãos suadas. Nada!
— Ah! essa não — disse bem alto —, será que eu estou ficando louco?
Permaneceu assim dez minutos, a escutar o assobio do gás na paz do camarim abandonado; enamorado, nem sequer pensou em furtar alguma fitinha que lhe trouxesse o perfume daquela a quem amava. Saiu, sem saber mais o que fazer nem aonde ir. Em dado momento de sua incoerente deambulação, um ar gelado veio bater-lhe no rosto. Estava ao pé de uma escada estreita que descia; atrás dele, um cortejo de operários debruçados sobre uma espécie de maca coberta por um pano branco.
— A saída, por favor — indagou a um desses homens.
— O senhor está vendo ali! À sua frente — foi-lhe respondido. — A porta está aberta. Mas deixe-nos passar.
— O que que é isso aí? — perguntou maquinalmente mostrando a maca.
O operário respondeu:
— Isto é Joseph Buquet que encontramos enforcado no terceiro patamar inferior, entre um suporte e um cenário do Rei de Labore.
Ele se afastou para o cortejo passar, fez uma saudação e saiu.
0 comentários:
Postar um comentário