Capitulo 18

sexta-feira, 28 de agosto de 2009



Firmin Richard deu ordem ao secretário para enviar o primeiro camarote nº 5 aos Srs. Debienne e Poligny, se não estivesse alugado.
Não estava. Foi imediatamente expedido a eles. Debienne e Poligny moravam, o primeiro, na esquina da rua Scribe com o Boulevard des Capucines; o outro, na rua Auber. As duas cartas do fantasma da Ópera tinham sido postadas na agência dos correios do Boulevard des Capucines. Moncharmin notou isso ao examinar os envelopes.
— Você está vendo! — disse Richard.
Deram de ombros e lamentaram que pessoas nessa idade ainda se divertissem com brincadeiras tão inocentes.
— Mesmo assim, eles poderiam ter sido mais educados! — observou Moncharmin. — Você viu como nos tratam a respeito de Carlotta, de Sorelli e da pequena Jammes?
— Ora, meu caro, essas pessoas estão doentes de ciúmes!... Quando penso que chegaram a ponto de pagar por uma pequena correspondência na Revue théâtral!... Eles não têm mais nada para fazer?
— A propósito! — continuou Moncharmin —, eles parecem interessar-se muito pela pequena Christine Daaé...
— Você sabe tão bem quanto eu que ela tem a reputação de ser muito ajuizada! — respondeu Richard.
— A gente rouba tantas vezes a reputação que tem — replicou Moncharmin. — Eu, por exemplo, não tenho a reputação de entender de música? E eu ignoro a diferença entre a clave de sol e a clave de fá.
— Você nunca teve essa reputação — declarou Richard —, fique tranqüilo.
Nesse momento, Firmin Richard deu ordem ao contínuo para mandar entrar os artistas que, havia duas horas, passeavam pelo grande corredor da administração à espera de que a porta da diretoria se abrisse, essa porta atrás da qual os esperavam a glória e o dinheiro... ou a despedida.
Todo esse dia se passou em discussões, confabulações, assinaturas ou rupturas de contratos; também lhes peço que creiam que, naquela noite — a noite de 25 de janeiro —, os nossos dois diretores, cansados de uma árdua fornada de cóleras, intrigas, recomendações, ameaças, protestos de amor ou de ódio, foram dormir cedo, sem sequer ter a curiosidade de dar uma olhadela no camarote nº 5, para saber se Debienne e Poligny estavam achando o espetáculo a seu gosto. A Ópera não tinha interrompido as atividades desde a partida da antiga diretoria, e o Sr. Richard tinha mandado proceder às reformas necessárias sem interromper o curso das apresentações.
No dia seguinte, pela manhã, Richard e Moncharmin encontraram na sua correspondência, por um lado, uma carta de agradecimento do fantasma, assim concebida:

Caro Diretor,
Obrigado. Noite encantadora. Daaé, um requinte. Cuide dos coros. A Carlotta, magnífico e banal instrumento. Logo lhes escreverei sobre os 240 mil francos — exatamente 233.424 fr 70. Os Srs. Debienne e Poligny mandaram-me 6.575 fr 30, o que representa os dez primeiros dias da minha pensão deste ano — visto que os privilégios deles terminaram no dia 10 a noite.
Servo.
F. da Ó.

Por outro lado, uma carta de Debienne e de Poligny:

Senhores,
Agradecemo-lhes a amável atenção, mas os senhores compreenderão facilmente que a perspectiva de ouvir de novo Fausto, por mais amena que possa ser para antigos diretores da Ópera, não pode fazer-nos esquecer de que não temos nenhum direito de ocupar o primeiro camarote n°. 5, que pertence exclusivamente àquele de quem tivemos a oportunidade de lhes falar, ao relermos, com os senhores, pela última vez, o caderno de encargos — último parágrafo do artigo 63. Queiram aceitar, senhores, etc.

— Ah! mas eles estão começando a me irritar, esses fulanos! — declarou com violência Firmin Richard, amassando a carta de Debienne e Poligny.
Naquela noite, o primeiro camarote nº 5 foi alugado.
No dia seguinte, ao chegar a seu gabinete, Richard e Moncharmin encontraram um relatório do inspetor relativo aos acontecimentos que se desenrolaram na véspera, à noite, no primeiro camarote nº 5:
— Fui obrigado, escreveu o inspetor, a requisitar, esta noite — o inspetor escrevera o seu relatório na véspera à noite - um guarda municipal para evacuar, por duas vezes, no início e no meio do segundo ato, o primeiro camarote nº 5. Os ocupantes — tinham chegado no começo do segundo ato — causavam um verdadeiro escândalo com as suas risadas e os seus comentários impertinentes. De toda parte em torno deles ouviam-se psiu!’ e toda a sala começava a protestar quando a lanterninha veio me procurar; entrei no camarote e externei as observações necessárias. Aquelas pessoas não pareciam gozar de bom senso e me disseram coisas sem nexo. Adverti-os de que, se semelhante escândalo se repetisse, eu me veria forçado a mandar evacuar o camarote. Mal eu tinha me retirado, ouvi de novo as suas risadas e os protestos da sala. Voltei com um guarda municipal que os fez sair. Reclamaram, rindo sempre, declarando que não iriam embora se não lhes devolvessem o dinheiro. Finalmente, se acalmaram, e eu os deixei voltar para o camarote; logo recomeçaram as risadas e, desta vez, eu mandei expulsá-los definitivamente.
— Mandem vir aqui o inspetor — gritou Richard ao seu secretário, que tinha sido o primeiro a ler o relatório e já o tinha anotado com lápis azul.
O secretário, Sr. Rémy — 24 anos, bigode fino, elegante, distinto, traje a rigor — naquele tempo, fraque obrigatório durante o dia, inteligente e tímido diante do diretor, 2 400 francos de proventos anuais, pagos pelo diretor, compulsa os jornais, responde às cartas, distribui camarotes e entradas de cortesia, arranja os encontros, conversa com aqueles que ficam na antecâmara, corre à casa dos artistas doentes, procura substitutos, corresponde com os chefes de serviço, mas antes de tudo faz as vezes de tranca no gabinete da diretoria, pode ser despedido sem qualquer compensação, pois não é reconhecido pela administração —, o secretário, que já tinha mandado procurar o inspetor, deu ordem para o fazerem entrar.
O inspetor entrou e parecia um pouco preocupado.
— Conte-nos o que se passou — disse bruscamente Richard. O inspetor imediatamente começou a gaguejar e fez alusão ao relatório.
— Afinal! aquela gente, por que estava rindo? — perguntou Moncharmin.
— Senhor diretor, eles deviam ter jantado muito bem e pareciam mais dispostos a fazer algazarra do que a ouvir boa música. Já ao chegarem, mal tinham entrado no camarote, saíram e chamaram a lanterninha que lhes perguntou o que é que eles queriam. Disseram à lanterninha: “Olhe dentro do camarote, não tem ninguém, não é?” “Não”, respondeu a lanterninha. “Pois bem”, afirmaram, “quando entramos, ouvimos uma voz que dizia que havia alguém”.
Moncharmin não pôde olhar para Richard sem sorrir, mas ele, Richard, não sorria. Tinha “trabalhado” muito no gênero para não reconhecer na narrativa que lhe fazia, com a maior ingenuidade do mundo, o inspetor todas as marcas de uma dessas maldosas pilhérias que de início divertem os que delas são vítimas, mas acabam por fazê-los ficar enraivecidos.

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