Capitulo 17

quinta-feira, 27 de agosto de 2009




Caro diretor, peço-lhe que me perdoe por vir perturbar estes momentos tão preciosos em que o senhor decide a sorte dos melhores artistas da Ópera, em que renova importantes contratos e em que inclui novos; e isso com uma segurança de vistas, um entendimento do teatro, uma ciência do público e dos seus gostos, uma autoridade que esteve bem perto de deixar estupefata a minha velha experiência. Estou a par do que o senhor acaba de fazer para Carlotta, Sorelli e a pequena Jammes, e por alguns outros de quem adivinhou as admiráveis qualidades, o talento e o gênio. — (O senhor sabe muito bem de quem estou falando quando escrevo estas palavras; não é evidentemente pela Carlotta, que canta como uma seringa e que nunca deveria ter abandonado os Embaixadores e o café Jacquin; nem pela Sorelli, que tem sucesso principalmente na carroceria; nem pela pequena Jammes, que dança como um bezerro no pasto. Não é tampouco pela Christine Daaé, cujo gênio é indiscutível, mas a quem o senhor deixa, com um zelo ciumento, afastada de qualquer criação importante.) — Afinal, o senhor é livre para administrar o seu pequeno negócio como melhor lhe convier, não é? Mesmo assim, desejaria aproveitar o fato de o senhor ainda não ter posto a Christine Daaé pela porta afora para ouvi-la esta noite no papel de Siebel, já que o de Margarida, desde o seu triunfo de outro dia, lhe está proibido, e peço-lhe para não dispor do meu camarote hoje nem nos dias subseqüentes; pois não terminarei esta carta sem confessar-lhe quanto estive desagradavelmente surpreso, nestes últimos tempos, ao chegar a Ópera, de ficar sabendo que o meu camarote havia sido alugado — no escritório de locação — atendendo a ordens suas.
Não protestei, primeiro porque sou inimigo de escândalos, depois porque imaginei que os seus predecessores, Srs. Debienne e Poligny, que sempre foram muito corretos comigo, tinham negligenciado, antes de deixarem o cargo, de falar com o senhor a respeito das minhas pequenas manias. Ora, acabo de receber dos Srs. Debienne e Poligny a resposta ao meu pedido de explicações, resposta essa que me prova que o senhor está a par do meu caderno de encargos e, por conseguinte, o senhor está zombando de mim de forma ultrajante. Se o senhor quiser que vivamos em paz, não deve começar por retirar-me o meu camarote! Sob o favor dessas pequenas observações, queira considerar-me, caro senhor diretor, seu mais humilde e obediente servo.
Assinado: F. da Ópera.



A carta vinha acompanhada de um extrato da pequena correspondência da Revue théâtral, em que se lia o seguinte: “F. da Ó.: R. e M. são indesculpáveis. Nós os avisamos e lhes passamos às mãos o seu caderno de encargos. Saudações!”.
Mal Firmin Richard havia terminado essa leitura, a porta de seu gabinete se abriu e Armand Moncharmin veio à sua presença, com uma carta na mão, absolutamente semelhante à que seu colega recebera. Olharam um para o outro e caíram na gargalhada.
— A pilhéria continua — disse Richard —, mas não tem graça!
— O que significa isso? — perguntou Moncharmin. — Eles estão pensando que porque foram diretores da Ópera nós lhes vamos conceder um camarote vitalício?
Porque, tanto para o primeiro como para o segundo, não havia dúvida de que a carta dupla fosse o resultado da colaboração faceciosa dos seus predecessores.
— Não tenho paciência para me deixar tapear por muito tempo! — declarou Firmin Richard.
— É inofensivo! — observou Armand Moncharmin.
— Afinal de contas, o que é que eles querem? Um camarote para esta noite?

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